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Mulher sem deficiência faz perguntas ao acompanhante de uma moça cadeirante
(Cartunista Ricardo Ferraz) |
Por Kristell Jeannot
Um de meus próximos é deficiente, ele é deficiente físico1.
Eu vivi diariamente ao seu lado durante vinte anos, e pude constatar o olhar que as pessoas colocavam sobre ele nos lugares públicos, os seus comportamentos em relação ao seu olhar. Eu pude ler a repugnância sobre o rosto de alguns passantes, também o medo, quando alguns se afastavam, para longe, para não tocar no meu irmão, como se acreditassem em ser contaminados! Sempre o olhar, o olhar inocente, impedindo o anonimato repousado da identificação entre os pares de uma mesma sociedade, atraído pela diferença física de meu irmão, acomodado, sentado dentro de uma concha.
Veem-se assim poucas pessoas deficientes nas ruas!
É verdade que muitos estão realocados nos centros especializados. Nestes lugares, eles são alimentados, acomodados e ocupados pelas atividades in situ, então, por que sair?
É verdade que as pessoas deficientes são poucas, e mesmo jamais presentes nos órgãos representantes de nossa sociedade, semelhantemente, na televisão.
Porém, nossa sociedade se agarra no dia anual do Téléthon, onde convivem estrelas e pessoas em cadeira de rodas. É lamentável que este único significante, “deficiente”, termine por recobrir o ser destas pessoas.
Ao lado do meu irmão, diante de certos olhares, eu senti cólera e vontade de ir embora, de se comunicar com as pessoas para dar um testemunho sobre a vida de meu irmão, e de lhe perguntar sobre o que lhes provocavam medo, pois é disto que se trata: a diferença, até mesmo o desconhecido lhes provoca medo. Ou então esses passantes reencontravam nele a castração incarnada, a condição humana, em suma, frágil, podendo se estragar ou se quebrar através de um reencontro contingente com o real. É próprio do Homem não querer saber nada da sua condição mortal. Isto se chama recalque.
Esconder esta deficiência como eu não soubera ver!
A propósito, meu irmão, logo que cresceu, atravessou um período onde não queria mais sair, ou, logo que saía, baixava a cabeça. Ele tinha vergonha. Ele estava triste. Apoiado por seus próximos, ele conseguiu atravessar esta fase. Ele ignorava os olhares, os olhares que vinham interpretar seu estado sem o conhecer.
O real de sua deficiência está duplicado, pela interpretação de sua situação que lhe é reenviada pela sociedade, através do seu olhar e da sua maneira – eu falo de modo geral – de definir suas prioridades, o sustento das pessoas em situação de deficiência: assistir, antes de tornar acessível. Sim, é necessário mudar o olhar sobre a deficiência, privilegiando as capacidades destas pessoas.
Eu reencontrei com ele as dificuldades, até mesmo os impasses de simplesmente circular na cidade, quero dizer, em uma grande cidade. O real, meu irmão o vê diariamente. Isso se inicia ao despertar: ele não pode se levantar sozinho, ir aos banheiros sozinhos, se alimentar sozinho. É necessária outra pessoa, um ajudante para ele poder viver. Eu não me ocupei fisicamente de meu irmão. Eu era a sua irmã, mas por ocasião de meus estudos, trabalhei como assistente de vida no seio da Associação dos Paralisados da França. Enquanto profissional, eu pude constatar três pontos importantes:
- O luto impossível diante de um funcionamento ideal do corpo transmitido por nossa norma social.
- A insuportável dependência do Outro. Eu me perguntei sobre qual seria o melhor modo de oferecer a independência a estas pessoas que eu acompanhava. Uma questão crucial, inscrita no coração da constituição subjetiva do sujeito no processo de alienação-separação. Um sujeito para existir, depois que se fixou ao Outro2, deve se desprender dele, ou mais precisamente, subjetivar a sua vida. Em uma situação comum isto não é evidente, vejam o período da adolescência, mas numa relação de dependência factual ao Outro a questão se coloca sobre a possibilidade de uma passagem da condição de ser o “objeto” assistido pelo Outro, para ser um sujeito, um sujeito que é e que a, que eventualmente pode ser produtivo. Aqui, faço referência à dimensão do ter, qualidade extremamente investida na nossa sociedade.
- Um risco de um deslizamento do sujeito, se tornando ainda mais dependente do que ele é, recobrindo uma falta afetiva, uma necessidade afetiva do Outro, que se manifesta por uma demanda de assistência de pessoas frequentemente isoladas socialmente.
Eu sou, por outro lado, psicóloga. Trabalhei em um dispositivo criado pelo Conselho Geral chamado “Acesso aos cuidados psicológicos para pessoas em situação de precariedade”, no qual acompanhei adultos geralmente psicóticos, às vezes reconhecidos como deficientes, e igualmente trabalhei no seio do que se chamava na época um CATTP, nos serviços de psiquiatria. Atualmente acompanho, na minha prática clínica, crianças e adolescentes autistas, psicóticos, ou apresentando algum retardo mental, qualificados em um estabelecimento pelo termo “deficiente”, e através de uma prática clínica liberal. Em relação aos pais das crianças deficientes, posso diferenciar dois tipos de acolhimento:
- O consolo de serem reconhecidos pelo Outro social nas suas dificuldades. Assim, os pais no IME são reconhecidos nos seus limites e nas suas dificuldades em cuidar de seus filhos. Depois desta nominação, seus filhos são identificados pelo Outro social e então são tomados a cargo pelas estruturas especializadas, e recebem auxílio financeiro necessário para a vida cotidiana. É preciso não esquecer, de fato, os negócios ligados à deficiência: o custo adicional do material (poltrona, proteções urinárias, adaptação do alojamento, e aquele do veículo, etc.), indo além da incapacidade de subvencionar as suas necessidades;
- A vergonha, a rejeição que recebi quando do anúncio desta nominação, dos adultos e das crianças, ou daqueles que acompanhei, no caso de uma deficiência psíquica. Isso os importuna pelo simples não reconhecimento da dificuldade. Entre eles, alguns me dão testemunham do aspecto “pejorativo” deste termo – que recebem como tal e, até mesmo, a incompreensão sobre o seu sentido. O termo “deficiente” vem do Outro, é um termo “universalizante”, um significante mestre, como se denomina na psicanálise, que recobre uma multiplicidade de dificuldades singulares e se mostra necessário para “subjetivar” o sujeito, para encontrar nele uma definição pessoal, associada ao que ele ressente como sendo “sua” dificuldade. Cada pessoa em situação de deficiência vai sentir sua vida, seu corpo, de maneira singular. É importante não menosprezar o poder de um significante, que nomeia um estado, um ser, que o representa, mas que fecha também aquele que aí está afetado. Este termo fatídico “deficiência” é praticado pelo aparelho burocrático para estruturar o acompanhamento destas pessoas, mas é importante não esquecer seu efeito segregativo sobre a sociedade, deixando difícil a invenção da identidade pelos sujeitos ditos “deficientes”. Como eles gostariam de ser apresentados, por quais significantes desejariam ser reconhecidos? Um modo completamente diferente seria percebê-los sobre o dia da diferença e das dificuldades, tomados um por um.
Em vez de sentir piedade e empatia, em vez de lhes darem uma vida pensada pela sociedade, eu gostaria que a gente deixasse de uma vez por todas a nossa parafernália do (bem)-pensentido, e que a gente se esforçasse para compreender seu olhar sobre o mundo, em descobrir as suas ideias, para que este mundo, onde nós os deixamos impotentes, possa se tornar, para todos, o nosso mundo.
1. Ele é doente motor cerebral, devido a um acidente no seu nascimento.
2. Por exemplo, que isto não seja lógico: o sujeito autista é um sujeito que não está fixado ao Outro. Ele se mantém a distância do Outro, no seu corpo, se recusando, às vezes, em ser tocado, e na sua língua, restando, às vezes, mudo.