Veja, abaixo, na matéria da Revista Viver Brasil, grandes exemplos de superação. Incríveis histórias de superação de pessoas com paraplegia e tetraplegia.
Para eles, a cadeira de rodas passou a ser extensão do próprio corpo e, após o impacto inicial, a adaptação se faz com um único propósito: o de viver a vida
Mostram a cara e as rodas mundo afora. Vivem aí na sua singularidade, como qualquer um da espécie humana, com seus problemas, alegrias, afazeres, corre-corre. Igualados para grande parte das pessoas que os veem na sua deficiência física: paraplégicos, tetraplégicos, num estigma de tristeza, sem mais nem menos. Agora, iluminados, focados, pinçados da multidão com a personagem Luciana, irreal, cópia do que ocorre fora das telas, repetidos em tantos acidentes, na novela Viver a Vida. Do lado de cá, com seus toques bem reais, depois de digerir a falta de sensibilidade nas pernas e tronco, dependendo do grau de lesão na medula, intrometida no meio da vida sem aviso prévio, reinventam-se, regeneram-se. Se faltam as pernas, há a extensão da cadeira de rodas, se as mãos não fazem o que querem, há a fala, se o sexo não é do mesmo jeito, há a visão, se não controlam intestino e bexiga, há como re-educá-los a trabalhar em horários determinados.
“Meu instinto de sobrevivência não me deixava abater. Sempre fui muito ativa, seria inaceitável me render à deficiência e parar no tempo”, diz a nutricionista e nadadora Letícia Ferreira. Sublimou a paralisia, frequenta lugares que têm ou não adaptação, treina, participa de competições, trabalha, faz as tarefas de casa, compras, vive sozinha. “Divirto-me com meu cachorro, descanso o corpo e a mente saindo para jantar, dançar, escutar músicas boas.” Nada diferente de quem tem o físico com todos os sentidos, num processo que não é instantâneo de uma hora para outra, no virar de páginas, há as nuances do ser humano: digerir a fatalidade de um dia estar bem e no outro não sentir as pernas. “No primeiro momento há perda muito grande, ficam atordoados, não acreditam mais em Deus. Depois apaziguam essa dor, começam a buscar uma saída de acordo com a realidade da vida”, analisa o psicanalista Adilson de Aguilar.
É o que o mundo apresenta, o jeito é se metamorfosear. Antes do dia em que dormiu e caiu do parapeito da casa de um amigo, o universitário Fellipe Rodrigues Pereira Lima praticava esportes radicais: de surfe a skate. Aí veio a paraplegia, depois a descoberta da descida de corredeira, caiaque-surfe, mergulho livre, pesca submarina, triciclos. O radical se manteve em sua vida, transferido dos pés para as mãos. “Reaprendi a viver. Não adianta voltar atrás. Retiro experiências com o passado, vivo o presente e vou construir o futuro,” diz. Do que se foi, as fotos das manobras radicais de skate, de agora, a faculdade de gestão empresarial, o namoro, o trabalho, a fisioterapia, o cachorro, a busca por patrocínio para a canoagem, o dia-a-dia rotineiro. Morou seis meses na Flórida, nos Estados Unidos, três deles sozinho e se prepara para a temporada de 90 dias na Austrália. “Minha ideia é viver dos esportes radicais, seja como competidor ou investidor.”´
O radical porque, no seu entender, é vida. O que é mais difícil? “Meu maior inimigo são as escadas”, afirma Fellipe Rodrigues Lima. O resto se adaptou, depende dele, dirige seu carro, vai-e-vem sem grandes obstáculos, a não ser os degraus que sempre brotam à frente neste mundo feito para os que têm as pernas em pleno funcionamento. Segue com a vida, como deve ser. “A tarefa é aprender a viver com o que se tem. Tanto no que se refere ao corpo e funções não comprometidas, quanto os recursos que se obteve ao longo do desenvolvimento e experiências”, diz o psicólogo Luiz Carlos Avelino da Silva, professor de pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
A vereadora Mara Gabrilli, de São Paulo, vive da fala, o que nem isto conseguia logo depois do acidente de carro que a deixou tetraplégica, como Luciana, a personagem da atriz Alinne Moraes. “Não saía som, vivia entubada, estava muito mal. Fui me defendendo, não tive tempo para pensar na deficiência. Minha luta era pela vida.” Recuperou a fala, não os movimentos de braços e pernas. Precisa de ajuda para tudo, teve de repaginar a sua vida. “O que faço é verbal.” Entoa a voz na defesa dos deficientes, da acessibilidade à remoção do estigma de tristeza carimbado nas cadeiras de rodas, foi secretária da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da capital paulista, fez fotos sensuais e campanha de lingerie. “Sou mulher cadeirante e daí?”, diz Mara. Sempre se preocupou com o corpo e depois do acidente a atenção aumentou. “A vaidade é até mais interna, visceral.” É a luta para controlar o funcionamento dos órgãos afetados com a paralisia do tronco para baixo. Vai além do que se passa na novela, da doente maquiada, do que se pode imaginar, mas nada que paralisa a vida: aí está a vereadora. “Minha mãe está irritada com a novela, reclama: como a Teresa fala que a Luciana vai ficar inválida?”
Cada um reage de forma diferente quando se depara com a tetraplegia e paraplegia. “Eu não gosto de pensar isso como capacidade natural ou força de vontade da pessoa, como se imagina comumente e como fica bonito na novela. Isto aponta a recuperação e superação como prêmio aos fortes e não é bem assim”, afirma Luiz Carlos Avelino. Inclui um monte de gente: médicos, psicólogos, educadores físicos, fisioterapeutas, família, amigos. “Reinventar-se é algo social, que se constrói com a ajuda do outro na descoberta de novas possibilidades e recursos.”
Há de se contabilizar esforços de todos. O jogador de basquete José Wan Der Maas de Souza Júnior chegou a pensar em suicídio: o acidente de moto em Carlos Chagas, no Vale do Mucuri, uma semana inconsciente, depois acordar num hospital em Belo Horizonte, rodeado de médicos. “Fiquei sem entender, estava imóvel, percebi que não mexia as pernas.” Conscientizou-se do que havia acontecido, a busca pela reabilitação, o contato com o mundo antes nem pensado da deficiência, a colaboração de amigos e família. “Eles me ajudaram muito.” Viu que queria continuar nessa vida, achou força física e psicológica no esporte. Hoje está no time da Associação Mineira de Paraplégicos. “O basquete é parte de mim.”
Mora sozinho, lava roupa, faz comida, vira-se. O difícil é mudar a temperatura do chuveiro, tão distante das mãos, e o receio de uma frigideira cair no seu colo quando for preparar a refeição. “Uso mais a inteligência do que a força”, diz Júnior. Redescobriu-se nestes quatro anos e meio após a queda da moto. “A pessoa se adapta, busca saída, senão enlouquece”, lembra o psicanalista Adilson de Aguilar, que trabalha com deficientes. Como acontece com qualquer um, mesmo com todas as funções do corpo. A vida tem de ser preenchida.
Quando mergulhou no rio e de lá saiu tetraplégico, o funileiro Nardélio Fernandes da Luz tinha 31 anos e muitas histórias para contar. “Tive sorte porque quando fiquei deficiente estava com a cabeça feita”, diz. Percebeu que podia escrever, o que fazia antes espaçadamente por falta de tempo, e resolveu publicar o livro autobiográfico Vida após a Vida. A dele que mudou por completo, com meses de recuperação, dependência para as necessidades básicas. “Isto é o mais difícil. Quem cuida do tetraplégico vive duas vidas: a sua e a da pessoa.” Divide com a mãe, senhora de 73 anos, e as irmãs. O resto vai bem, sem os movimentos das pernas, das mãos e parcialmente dos braços. “A vida não é melhor hoje, mas é feliz. Antes eu a atropelava, não vivia”, afirma o escritor e ganhador da medalha de prata no campeonato de bocha adaptada. É, ele joga também, sai, já teve três namoradas depois do acidente, mostra que é capaz e muito, de levantar a bandeira contra o preconceito de que são incapazes, assexuados, coitadinhos. “As pessoas têm a mania de querer ajudar, quem precisa aprender é o próprio deficiente.” Estão aí como qualquer um, com seus problemas, com seus desejos. “O sonho primário do paraplégico é andar e do tetraplégico é ser paraplégico”, diz Nardélio.
Nem sempre, a vida encarrega-se de transmutar sonhos. A nadadora Letícia Fernandes garante que não é o dela, torce para que as pesquisas com células-tronco ajudem os deficientes físicos, mas não tem a pretensão de voltar a andar. “Não sei se me adaptaria, porque houve mudanças no meu corpo. Bastaria a mim poder experimentar novamente algumas sensações como a textura da terra, da grama, da cerâmica fria ou do asfalto quente.” Não há novela tão emocionante quanto a vida é, bruta, lapidada, sensível, real, aí para ser encarada de frente, de cadeira de rodas.
Lesões medulares
Paraplégico
A medula é lesionada em nível lombar ou toráxico. Perde a sensibilidade das pernas, mantém o controle do tronco e movimentos dos braços e mãos
Tetraplégico
A lesão ocorre próximo ao pescoço. Perde a mobilidade total ou parcial de braços, pernas e tronco. Há os que ficam totalmente paralisados e dependem de respiração artificial
Quando mais ocorre
- Acidentes de carros
- Ferimentos por arma de fogo
- Queda
- Mergulho em águas rasas
O que querem
- Portas mais largas
- Rampas de acesso ou elevadores
- Balcões de recepção e caixas eletrônicos mais baixos
- Respeito às vagas reservadas a deficientes nos estacionamentos
- Vê-los como pessoas normais, não coitadinhos
- Não os ajudarem, só quando pedirem.
Fonte:
http://www.revistaviverbrasil.com.br/