9 de março de 2011

SURDOS, SIM!

5,7 milhões de pessoas tem deficiência auditiva no país e são tão competentes e profissionais quanto qualquer um!
CELSO BADIN, MICHELE CAVALCANTI e PAULO VIEIRA
Sim. A realidade é grandiosa em números. Cerca de 24,5 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de incapacidade, que equivale a 14,5% da população total, segundo estatísticas do IBGE. Assim, cresce a linguagem de LIBRAS e cada vez mais adeptos aprendem essa maneira de se comunicar. Aliás, dessa forma nasceu uma nova profissão, a de intérprete tradutor, os ouvintes que acompanham as pessoas com deficiência em quase todos os lugares.

Vamos conhecer três pessoas que representam os números informados até agora. Michelle Cavalcanti, tradutora e intérprete que trabalha com surdos há anos; Celso Badin, surdo, professor de LIBRAS, autor e escritor e Paulo Vieira, surdo, assistente técnico da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. O que eles têm em comum? A palavra superação e as histórias a seguir dizem tudo.


Bravo guerreiro
"QUANDO PEQUENO EU ERA MUITO NERVOSO, JÁ QUE MINHA COMUNICAÇÃO COM MEUS FAMILIARES ERA PÉSSIMA. POR  SORTE, MEU IRMÃO MÁRIO E EU INVENTAMOS UMA COMINICAÇÃO CASEIRA",  DESBAFA PAULO
Surdo de nascença, já que sua mãe teve rubéola durante a gravidez, podemos dizer que Paulo Vieira é, no mínimo, persistente. O paulistano que na juventude namorou durante cinco anos uma outra surda, quando terminou, se viu em um novo mundo: o dos ouvintes. "Aprendi a linguagem de LIBRAS tardiamente e graças à ajuda de meus amigos, que eram animados e adoravam treinar expressões inusitadas. Atualmente, compreendo o que um ouvinte fala porque entendo leitura labial", conta.

Ele, que já foi casado com uma ouvinte, separou em 2002. Desde então, o difícil é encontrá-lo em casa. Superativo, adora passear, interagir e lutar contra o preconceito na sociedade. "Sofremos muito por conta da barreira de comunicação. Eu e minha amiga surda, Vanessa Vidal, acreditamos que o povo precisa conhecer a realidade e a cultura dos surdos, e tentamos derrubar obstáculos no dia-a-dia", declara Paulo.

De sorriso envolvente, ele está engajado diariamente na luta contra o preconceito, seja por meio de eventos que participa ou de maneira direta, auxiliando pessoas no seu trabalho, na Prefeitura. Na luta pela representação da comunidade surda no país, ele já até se candidatou a deputado. "Não cheguei a me eleger, mas tentei. Hoje, vejo o sol acordar e fico feliz. Trabalho na Secretaria e faço a parte do projeto "Central de LIBRAS", enfim, estou fazendo diferença de alguma forma e isso me alimenta".

  • De deficiente para deficiente: "A mensagem que quero passar a todos os deficientes é que sejam solidários, pois os surdos têm seus problemas de comunicação, os cegos as barreiras táteis e sonoras, os cadeirantes a luta por uma arquitetura mais consciente, enfim, somos todos iguais. Eu vivo dizendo para meus amigos: 'não olhem para suas limitações físicas ou familiares e alimentem a fortaleza que existe em cada um de vocês'. Para mim, funciona e muito!", diz Paulo Vieira.

Menino ousado
"FALAM QUE SURDO É 'MUDO' E INCAPAZ. ISSO É UMA MENTIRA. A SOCIEDADE PRECISA APRENDER A RESPEITAR NOSSA COMUNIDADE E ENTENDER QUE SOMOS TÃO CAPAZES QUANTO OS OUTROS", DIZ CELSO

Sabe aquela carinha de garoto sapeca? Esse é Celso Badin e quem o conhece só tem uma certeza: esse menino tem muita história para contar. O professor de LIBRAS, ator e escritor nasceu surdo e não se diz deficiente. "Acredito que não sou deficiente, assumo ser identidade surda completa, já que Deus me criou para ser uma pessoa surda, e eu não adquiri essa deficiência ao longo da vida. Sou extremamente saudável, ativo e inteligente", diz.

"Sou extremamente saudável, ativo e inteligente", diz.

Em 2001, ele lançou seu primeiro livro "A Juventude - O Carnaval e o Rio de Janeiro", pela Editora Aurea. Em 2004, Badin colocou seu primeiro filme no Festival de Cinema Mix Brasil. O curta-metragem "Entrevista com o surdo gay" fez sucesso e assim, o jovem lançou outros cinco DVDs para o público GLS. "Estou preparando outro livro e um novo filme e tenho certeza que vou surpreender novamente", alfineta.

Brincalhão, Celso demonstra que tem uma fortaleza dentro de si. Mora sozinho e trabalha como professor de LIBRAS. Sua popularidade pode ser conferida através de seus dois perfis no Orkut que estão lotados e carregam elogios em mensagens. "Aprendi a me virar só desde cedo já que meus pais faleceram. Tenho dois irmãos, uma surda e um ouvinte. Quero conquistar muito mais nesta vida. Não é porque sou surdo tenho que aceitar qualquer tipo de trabalho. Meu sonho é ser reconhecido em áreas que amo, como o cinema ou a televisão e não vou desistir disso".

  • De deficiente para deficiente: "Melhor, de Celso Badin para deficientes: sonhem. Sem sonhos nada se constrói. Todos os dias eu acordo feliz porque tenho a certeza de estar fazendo um ótimo trabalho na área da surdez, educação e cultura. Procurem estímulos de vida. Foi isso o que eu fiz".

Sobrenome: dedicação
"FICO INDIGNADA COM PRECONCEITO. A IGNORÂNCIA SCIAL É EMBASADA PELA FALTA DE CONHECIMENTO DA VIDA DESSAS PESSOAS. UM SURDO É TÃO CAPAZ QUANTO EU, VOCÊ", DESABAFA MICHELE
Michelle Cavalcanti poderia chamar-se "Michelle Dedicada". Sim, a paulistana apaixonou-se por LIBRAS em 92, quando viu pela primeira vez, uma palestra sendo traduzida em uma igreja. Hoje, a admiração pela linguagem tornou-se sua profissão. "Fico irritada quando as pessoas me perguntam se essa é uma profissão de verdade. Claro que sim! A língua foi reconhecida em 2002 e eu chego às vezes (e contra minha vontade) a recusar trabalhos por pura falta de tempo mesmo".

A morena revela que sofre retaliações o tempo todo, quando está em companhia dos surdos. "Quando estou com eles não uso minha voz, apenas a linguagem de sinais e como a surdez não é uma deficiência visível, as pessoas ao redor falam coisas e acham que eu não vou ouvir. Certa vez, almoçando em um shopping, uma idosa falou para sua filha: 'tadinha, tão jovem, bonita e surda-muda'... Eu fiquei sem palavras...". Por essas e outras, a intérprete trava também uma luta contra a discriminação. "Já fui chamada para intermediar diversas seleções de empresas e ouvi absurdos do tipo: 'eles sabem ler? Vão conseguir fazer contas'... É triste ouvir isso". Depois desse desabafo, Michelle revela que só outro comportamento consegue irritá-la ainda mais: a comodidade de alguns surdos. "A falta de perspectiva desses me deixa chateada. O manto de 'coitadinho' que eles podem vestir é perigoso porque os faz realmente sentirem-se inferiores e não são!". Ela lembra que não está generalizando, apenas aponta uma realidade que acontece com alguns surdos dessa comunidade.

Quando perguntado se ela é feliz, o sorriso responde sozinho. Sua vida hoje é atrelada à vida e às conquistas dos surdos. Por isso, Michelle se considera a maior sortuda do mundo, em poder fazer parte disso e ajudar, de maneira profissional, a fazer a diferença, de alguma forma.


Fonte: Revista Sentidos

 
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